Decisão TJSC

Processo: 0319875-83.2018.8.24.0008

Recurso: embargos

Relator: Juiz MARCELO CARLIN

Órgão julgador:

Data do julgamento: 10 de junho de 2014

Ementa

EMBARGOS – Documento:7022686 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0319875-83.2018.8.24.0008/SC RELATOR: Juiz MARCELO CARLIN RELATÓRIO Trato de apelação cível interposta por LAMON INCORPORADORA E ADMINISTRADORA LTDA em face da sentença proferida nos autos n.º 0319875-83.2018.8.24.0008. Por brevidade, transcrevo, em relação à tramitação em primeira instância, o relatório da sentença (evento 77): R. G., através de advogado, ingressou perante Este juízo com AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL em relação à LAMON INCORPORADORA E ADMINISTRADORA LTDA. Alega que em 10 de junho de 2014 adquiriu da requerida, “na planta”, através de contrato, o apartamento 603 e vagas de garagem 09 e 10 do edifício Residencial Castelbelo a ser construído em Blumenau SC, na esquina das ruas Esmeralda e Capinzal, bairro Garcia.

(TJSC; Processo nº 0319875-83.2018.8.24.0008; Recurso: embargos; Relator: Juiz MARCELO CARLIN; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 10 de junho de 2014)

Texto completo da decisão

Documento:7022686 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0319875-83.2018.8.24.0008/SC RELATOR: Juiz MARCELO CARLIN RELATÓRIO Trato de apelação cível interposta por LAMON INCORPORADORA E ADMINISTRADORA LTDA em face da sentença proferida nos autos n.º 0319875-83.2018.8.24.0008. Por brevidade, transcrevo, em relação à tramitação em primeira instância, o relatório da sentença (evento 77): R. G., através de advogado, ingressou perante Este juízo com AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL em relação à LAMON INCORPORADORA E ADMINISTRADORA LTDA. Alega que em 10 de junho de 2014 adquiriu da requerida, “na planta”, através de contrato, o apartamento 603 e vagas de garagem 09 e 10 do edifício Residencial Castelbelo a ser construído em Blumenau SC, na esquina das ruas Esmeralda e Capinzal, bairro Garcia. Pagou R$ 80.000,00 no ato, um reforço de R$ 20.000,00 em dezembro de 2014. A obra deveria ser entregue em dezembro de 2016, com tolerância de até 120 dias. Quanto da propositura da ação em novembro de 2018 a obra ainda não estava iniciada. Assim a requerida deu causa à rescisão contratual. Faz pedidos de declaração de rescisão do contrato, restituição dos valores pagos corrigidos pelo CUB/SC, com juros, multa pactuada, alugueres por atraso na obra/fruição, despesas com registro do contrato no RI, despesas com notificação da requerida, incluindo honorários e efeitos da sucumbência. Pediu justiça gratuita. Deu valor à causa. Juntou documentos. O pedido de justiça gratuita foi indeferido. Depois de dificuldades a requerida foi citada. Apresentou contestação. Requer justiça gratuita uma vez que a empresa não estaria movimentando valores. Alega preliminarmente inépcia da inicial por, petição ininteligível, pedidos incompatíveis e impertinentes. Quanto ao mérito, alega que a não construção do edifício se deu por crise financeira e dificuldades decorrentes de crise sem precedentes na construção civil no Brasil que também atingiu a requerida, caracterizando caso fortuito e força maior. Sustenta que a devolução de valores dependeria da comprovação de pagamentos, que não existe no processo. Acrescenta que o CUB não é fator de correção monetária pertinente em casos tais. Diz ainda que a fruição só caberia se o imóvel fosse construído e tivesse atrasos. Não em caso de rescisão e devolução de valores. Diz ainda que não há multa prevista e não é possível cumular multa e fruição em caso de rescisão. Sustenta que não havia necessidade do registro de contrato e que não há prova de gastos com registro e com notificação da requerida, além de que honorários contratuais da autora com advogado não são de responsabilidade da requerida. Pede o acolhimento da preliminar ou a improcedência da ação. Juntou documentos. A autora refutou as questões levantadas pela requerida. Ambas partes pediram julgamento antecipado. É o relatório em síntese. Analiso e decido. Conclusos os autos, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: Isto posto, este juízo JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação para: 1 – Declarar resilido/rescindido o contrato de Promessa de Compra e venda de bem imóvel assinado entre R. G. e Lamon Incorporadora e Administradora Ltda. em 10 de junho de 2014 referente apartamento 603 e garagens 09 e 10 do Edifício Residencial Castelbelo, de Blumenau SC; 2 – Condenar a requerida a ressarcir a requerente dos seguintes valores: 2-a: Valor de R$ 80.000,00 referente Sinal/Entrada pago no ato da assinatura do contrato pagos em 10/06/2014; 2-b: Valor de R$ 20.746,50 referente ao pagamento do reforço em 19/12/2014; 2-c Valor de R$ 1.21,70 a título de prenotação e selos do contrato no registro de Imóveis em 08/09/2016; 2-d Valor de R$ 567,71 referente despesas de notificação judicial; 2-e – acréscimo de  30% dos valores acima mencionados a título de multa contratual pela rescisão por culpa da requerida; 2-f : - 80% das custas e despesas processuais (inclusive as antecipadas) desse processo, além de honorários de advogado ao procurador da autora no valor correspondente a 13% da condenação acima; 3- condenar a autora ao pagamento de 20% das custas deste processo e honorários de advogado ao procurador da requerida, no correspondente a 13% do valor que sucumbiu a título de fruição; Os valores a serem pagos devem ser corrigidos na forma usual forense, pelo INPC, acrescido de juros de 1% ao mês desde o desembolso até o efetivo pagamento. Os honorários advocatícios não se compensam. Oportunamente arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intime-se. A sentença ainda sofreu a oposição de embargos de declaração por parte da ré (evento 81), mas os aclaratórios foram rejeitados (evento 96). Irresignada, a ré apelou (evento 100), pugnado, primeiramente, pela concessão da justiça gratuita. No mérito, sustentou: i) a crise financeira vivenciada não pode ser observada como sendo um risco da atividade; e ii) que é incabível a multa de 30% (trinta por cento) pretendida pela parte adversa. Contrarrazões apresentadas pela parte autora (evento 107). Após, ascenderam os autos a esta Instância. Neste Segundo Grau de Jurisdição, determinou-se a intimação da parte recorrente para juntar aos autos documentos comprobatórios da sua insuficiência de recursos financeiros (evento 15). No entanto, após o exame da documentação, o requerimento de gratuidade da justiça foi indeferido, e a recorrente foi intimada para efetuar o pagamento do preparo recursal, em 5 (cinco) dias, sob pena de deserção (evento 21). Após o recolhimento do preparo, os autos foram distribuídos a esta Câmara de Especial de Enfrentamento de Acervos, nos termos da Resolução GP n. 73, de 1º de outubro de 2024. É o relatório. VOTO 1 Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. 2 A apelante sustenta que a crise econômica nacional e as dificuldades decorrentes da pandemia de COVID-19 configuram eventos de força maior aptos a afastar sua responsabilidade pelo inadimplemento contratual. A tese não prospera. Conforme consignado na sentença (evento 77), a ausência de entrega do empreendimento não decorreu de fato imprevisível, mas de risco inerente à própria atividade econômica exercida pela incorporadora. Oscilações de mercado, retração de crédito, encarecimento de insumos e instabilidades conjunturais são áleas ordinárias do setor da construção civil e, portanto, não afastam a mora da contratada, por representarem risco próprio da atividade lucrativa que desenvolve. Nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, aquele que exerce atividade que, por sua natureza, implica risco para direitos de outrem, responde pelos danos daí decorrentes, independentemente de culpa. Nesse sentido, conforme já decidiu este : "A pandemia da COVID-19, nos contratos firmados durante sua vigência, configura fortuito interno e não afasta a responsabilidade da incorporadora pelo atraso na entrega de imóvel" (TJSC, ApCiv 5008155-41.2023.8.24.0038, 2ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, Relator para Acórdão Yhon Tostes, julgado em 18/09/2025). E, ainda: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. RECURSO DA INCORPORADORA. [...] MÉRITO. POSTULADO O AFASTAMENTO DA MULTA SOB O ARGUMENTO DE QUE O PRAZO DE ENTREGA DO IMÓVEL, QUE DEVERIA OCORRER ATÉ FINAL DE OUTUBRO DE 2019, SOFREU IMPACTOS POR CONTA DE LICENCIAMENTOS ADMINISTRATIVOS, CHUVAS E PANDEMIA. INSUBSISTÊNCIA. [...] EVENTUAIS CHUVAS E BUROCRACIA ESTATAL QUE CONFIGURAM RISCO INERENTE À ATIVIDADE EMPRESARIAL E LUCRATIVA EXERCIDA PELA INCORPORADORA. [...] A PANDEMIA DE COVID-19, INICIADA APÓS O PRAZO CONTRATUAL ESTIPULADO PARA ENTREGA DO IMÓVEL, NÃO CONSTITUI EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE DA INCORPORADORA.” (TJSC, ApCiv n. 5025997-39.2020.8.24.0038, 1ª Câmara de Direito Civil, Rel. p/ Acórdão Des. Sílvio Dagoberto Orsatto, j. 28-11-2024). Sendo assim, fatores econômicos ou sanitários — como crises financeiras ou a pandemia — não afastam o dever contratual de entrega do imóvel, por constituírem risco ordinário da atividade empresarial. A incorporadora, enquanto profissional do ramo, deve estar preparada para suportar tais variações, sob pena de transferir ao consumidor ônus que lhe é próprio e romper o equilíbrio contratual. Ausente, ademais, qualquer prova de que a pandemia tenha sido causa direta e exclusiva da inexecução, ou de que o atraso decorreu de circunstância extraordinária e inevitável. Dessa forma, mantém-se a conclusão de que o inadimplemento decorreu de fato imputável à própria apelante, impondo-se o reconhecimento da rescisão contratual por culpa da incorporadora e a consequente restituição dos valores pagos pela adquirente, tal como decidido na origem. 3 A apelante insurge-se, ainda, contra a condenação ao pagamento da multa de 30% (trinta por cento), sob o argumento de inexistir previsão contratual de cláusula penal em seu desfavor. Sem razão. O contrato em exame, de inequívoca natureza de adesão, prevê encargos, penalidades, multa, juros e honorários exclusivamente em benefício da vendedora, em caso de inadimplemento ou rescisão imputável à compradora, silenciando quanto às consequências específicas do descumprimento contratual pela incorporadora. Diante desse cenário de assimetria, o magistrado sentenciante, com fundamento na equidade e na necessidade de recomposição do equilíbrio contratual, aplicou multa de 30% sobre os valores pagos, por simetria com a cláusula penal estipulada apenas em favor da fornecedora. Tal solução encontra pleno amparo na jurisprudência deste Tribunal, que reconhece a possibilidade de inversão da cláusula penal quando o contrato beneficia exclusivamente a incorporadora: “Em caso de inadimplemento, se houver omissão do contrato, cabe, por imperativo da equidade, inverter a cláusula contratual penal moratória que prevê multa exclusivamente em benefício da vendedora do imóvel.” (TJSC, AC n. 0311317-93.2016.8.24.0008, 7ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Carlos Roberto da Silva, D.E. 08.06.2020). O Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 0319875-83.2018.8.24.0008/SC RELATOR: Juiz MARCELO CARLIN EMENTA DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CRISE FINANCEIRA. RISCO DA ATIVIDADE. MULTA DE 30%. APLICAÇÃO POR EQUIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por incorporadora contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de rescisão contratual proposta por adquirente de unidade imobiliária não construída, determinando a restituição dos valores pagos, acrescidos de multa contratual de 30% (trinta por cento) e correção monetária. 2. A sentença reconheceu a culpa exclusiva da incorporadora pelo não início da obra, afastando a alegação de força maior fundada em crise econômica e financeira.   II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a crise econômica e a pandemia de COVID-19 constituem causa de força maior capaz de afastar a responsabilidade da incorporadora pelo inadimplemento do contrato de promessa de compra e venda de imóvel; e (ii) saber se é possível a aplicação de multa contratual de 30% em favor da parte consumidora, em contrato que prevê penalidades apenas em benefício da fornecedora. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Os riscos decorrentes de crises econômicas, burocracia estatal e pandemia integram o risco do negócio próprio da atividade da construção civil, não sendo aptos a afastar o inadimplemento contratual por parte da incorporadora. 4. A ausência de previsão contratual de cláusula penal contra a fornecedora não impede a fixação judicial da multa, com base na equidade e na simetria contratual, conforme precedentes do STJ (Tema 971) e deste Tribunal. 5. A multa aplicada baseou-se na cláusula penal existente apenas em desfavor do consumidor, cuja inversão se mostrou legítima para recompor o equilíbrio contratual e impedir vantagem excessiva à incorporadora. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Apelação cível conhecida e desprovida. Tese de julgamento: “1. Fatores como crise econômica, pandemia e entraves administrativos integram o risco do negócio da incorporadora e não excluem sua responsabilidade pelo inadimplemento. 2. É cabível a inversão da cláusula penal prevista apenas em favor da incorporadora, por equidade, para fixar multa em desfavor da fornecedora inadimplente.” Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 421-A, § 1º, 422-A, 475 e 927, parágrafo único; CDC, arts. 6º, VI, e 51, IV e § 1º, I; CPC, art. 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.631.485/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, j. 22.05.2019; TJSC, ApCiv 5025997-39.2020.8.24.0038, 1ª Câmara de Direito Civil, Rel. p/ Acórdão Des. Sílvio Dagoberto Orsatto, j. 28.11.2024; TJSC, ApCiv 5008155-41.2023.8.24.0038, 2ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, Rel. p/ Acórdão Des. Yhon Tostes, j. 18.09.2025. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 13 de novembro de 2025. assinado por MARCELO CARLIN, Juiz de Direito Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7022687v4 e do código CRC be194ad6. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): MARCELO CARLIN Data e Hora: 14/11/2025, às 16:57:42     0319875-83.2018.8.24.0008 7022687 .V4 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 15:43:59. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 13/11/2025 A 19/11/2025 Apelação Nº 0319875-83.2018.8.24.0008/SC RELATOR: Juiz MARCELO CARLIN PRESIDENTE: Desembargador EDUARDO GALLO JR. PROCURADOR(A): NEWTON HENRIQUE TRENNEPOHL Certifico que este processo foi incluído como item 70 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 13/11/2025 às 00:00 e encerrada em 13/11/2025 às 19:29. Certifico que a 2ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 2ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO. RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz MARCELO CARLIN Votante: Juiz MARCELO CARLIN Votante: Desembargador EDUARDO GALLO JR. Votante: Desembargador Substituto DAVIDSON JAHN MELLO MARCIA CRISTINA ULSENHEIMER Secretária Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 15:43:59. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas